sábado, 8 de agosto de 2015

Dia #025

Ricky e Aurora hoje


Hoje completou 4 meses que minha filhota nasceu. Posso dizer que eu renasci como mulher...

Muitas pessoas pedem meu relato de parto quando conto que tive um parto domiciliar. E esta madrugada, a pedido de uma pessoa em especial, resolvi escrever.

Acho que até tenho esboços dos meus relatos de parto, mas nunca divulguei. Hoje resolvi escrever com a percepção de agora (3 anos e 1 mês e meio após o primeiro parto), depois de digeridas as lembranças.

Mas contar um parto não faz sentido nenhum pra mim (acho que para mulher nenhuma).

Com o parto da Aurora aprendi que a mulher "pare" não somente aquele bebê,  mas "pare" também suas frustrações. Ela busca encontrar o que perdeu no parto anterior.

Na minha primeira gestação eu possuía convênio e uma condição financeira relativamente boa. Morava com meu marido num apartamento grande. Acompanhei pré natal tanto no convênio como no posto onde eu era residente em Saúde da Família, pelo SUS.

Como sou fonoaudióloga especialista em Saúde Pública, me considerava até que bem informada. Cheguei a participar de uma roda de conversa com o Dr. Jorge Kuhn sobre parto domiciliar no GAMA,  mas muito embora eu nutrisse esse desejo desde a infância, eu tinha alguns receios: achava que não teria dinheiro para bancar, medo de ser julgada caso algo fugisse do esperado e não sabia como meu corpo se comportaria neste processo. Tinha apenas uma certeza: queria parto normal.

Peregrinei de médico em médico no convênio na esperança de encontrar algum que atendesse parto normal, até que encontrei um que cobrava. Comecei a juntar dinheiro,  mas como eu não dei certeza de pagá-lo, nas consultas nunca era "hora de falar do parto". Fui em outro que não cobrava, mas não senti confiança, era muito jovem e percebia insegurança. Então, numa visita ao Amparo Maternal, que era a uns 15 minutos a pé da minha casa (não temos carro), eu e meu marido achamos que parecia  a melhor opção, embora ainda não tínhamos decidido.

Com a correria da Residência, com sua carga horária de 60 horas semanais e mais 4 horas de trajeto por dia,  o tempo passou voando. Até que,com 35 semanas, comecei a perder o tampão, sem sinal de sangue. Na terceira vez que saiu, naquela madrugada, rompeu minha bolsa.

Um pouco preocupada com a prematuridade e risco de cesárea, fomos para o Amparo, porque sabíamos que lá só fariam a cesárea se realmente fosse necessária.

Fui avaliada e internada para indução. Ficamos quase 24 horas neste processo. Dois comprimidos de misoprostol e ocitocina com sua dor lancinante. Não havia nenhuma doula voluntária de sábado pra domingo. Meu marido foi ótimo. Tive equipes que me assistiram bem, me colocaram na bola suíça, me fizeram andar, me deixaram um tempão no chuveiro (aquele foi o dia mais frio do ano). Porém, no plantão no qual meu filho nasceu, as Enfermeiras Obstetras eram grosseiras, fizeram muitos toques, foram ríspidas, me pediram pra ficar na cama e só quando uma delas falou "não faz força até eu voltar" foi que me apoderei do meu parto e conversei mentalmente com meu filho "Eu estou com medo do expulsivo, não estava preparada pra parir agora, mas chegou a hora e você tem que nascer". Neste momento eu o senti se encaixando no meu quadril. Fiz força a cada contração que vinhae, mesmo exausta de sentir dor a cada 30 segundos.

Quando senti "coroar" (adoro este termo),  chamamos a enfermeira. Ela achou que fosse um prolapso de cordão e pediu pra eu sentar na cadeira de rodas pra ir pra sala de parto. Eu nem conseguia fechar as pernas, imagine sentar... Mesmo assim, não me deixaram ir andando. Chegando à sala de parto, subi na cama,  posição ginecológica, puxos direcionados. Até que senti a cabeça do meu filho sair e a dor parou como mágica. Ela se apavorou. Falou um código pra auxiliar que saiu às pressas e derrubou uma bandeja de instrumentos no chão. Perguntei "tudo bem?", ela só me olhou com cara de pavor e não disse nada. Meu marido com muita calma me disse "está tudo bem. A cabeça já saiu, faz força". Então ela olhou pra ele ainda preocupada e só balançou a cabeça fazendo não.  Ele, com a maior calma, me disse "não faz força.  Faz só quando ela pedir". Ela fez menção de pegar um instrumento do chão,  mas parou. Pegou outro de uma bandeja ao lado e cortou fazendo movimentos de cima para baixo.

Só depois entendemos o que ocorreu. Meu filho tinha 3 circulares de cordão no pescoço e um bracinho preso numa delas. Acho que ela queria uma tesoura e usou um bisturi pra cortar as circulares e desvencilhar o braço. Assim que ela fez isso entrou uma médica e mais duas pessoas, pegaram meu filho e o levaram dali sem nem sequer me olhar. Eu o vi de costas, roxinho sendo levado pra outra sala. Meu marido me olhou hesitante e eu disse "vai com ele". Fiquei com a enfermeira,  vi a placenta nascer. Ela nem me olhava, acho que de vergonha.  Pedi pra ver a placenta. Disse que teria que suturar uma laceração grau 1. Ouvi um choro. Tempos depois meu marido voltou e perguntei se era nosso filho.  Com a afirmativa, fiquei mais tranquila. Então me trouxeram ele, já de fralda. A outra enfermeira ou técnica perguntou se eu queria que abrisse,  mas eu queria recebê-lo sem fralda, imediatamente após o nascimento... Tentei amamentar na sala de parto,  mas ele dormia, cansado. Ele foi pro berço aquecido. Fui pra sala de observação. Comi. Quebraram o protocolo e deixaram minha mãe e meus sogros entrarem pra vê-lo, pegarem no colo. Minha mãe e minha sogra foram até a sala de observação. Depois trouxeram meu filho e o colocaram pra mamar. Pegou firme e não soltou. Isso me deu uma revigorada. Subimos pro quarto com ele mamando.

Naquele momento achei que aconteceu o melhor que poderia ter acontecido. Tive um parto normal e meu filho não ficou em UTI. Só mais tarde repassando a cena diversas vezes na minha cabeça que percebi que sofri Violência Obstétrica e que, se não fosse meu "marido-doulo" com seu carinho, suas massagens e sua serenidade, eu teria sentido mais a hostilidade e a falta de privacidade do local.

Primeiro dia do Ricky fora da barriga

Nossa situação financeira piorou drasticamente após o nascimento do nosso filho, pois decidi parar de trabalhar para amamentá-lo e houve uma crise na área profissional do meu marido (ele é autônomo). Fomos obrigados a ir morar na casa da minha mãe. Neste meio tempo, engravidamos da nossa filha. Sem convênio, acompanhei somente pelo SUS com uma ótima GO.

Com 31 semanas, comecei a perder o tampão, como foi na semana que meu filho nasceu. Fiz repouso, uso de progesterona VV, mas não parei de amamentar meu filho.

Minha vontade era um parto domiciliar, mas não na casa da minha mãe, queria que fosse meu cantinho.Então, visitei as casas de parto.  A Casa Angela já conhecia, havia feito um estágio lá. Conheci a Casa de Parto de Sapopemba. A Casa Angela além de distante, é paga e não tínhamos condição de pagar. A CPS havia pedido uma ultrassonografia recente que eu não possuía e ia impedir meu filho de ficar por lá. Não gostei.

Durante as semanas de angústia perdendo tampão diariamente com medo de outro parto prematuro, contei com o valiosíssimo apoio de uma obstetriz com quem fiz amizade na Casa Angela, que me doulou virtualmente.

Mas então a ideia de ficar longe do meu filho de 2 anos durante o trabalho de parto e após, me angustiava. Eu precisava e desejava meu marido comigo,  mas meu filho ficaria longe da mãe e do pai?

Então completadas as mínimas 37 semanas, sabendo que minha mãe me apoiaria na decisão de parir em casa, resolvi contratar uma equipe de parto domiciliar.A que tinha a minha amiga obstetriz e outras colegas cujo o trabalho eu já conhecia e confiava.

Não, eu não tinha condições financeiras pra isso, mas ter meu filho perto era essencial e elas facilitaram muito.

No final,  minha filha resolveu ficar no "forninho" até passar de 40 semanas.

Quando completei 41, fui ao Amparo Maternal pra fazer cardiotoco. Queriam me internar pra induzir, não permiti. Queriam descolar membrana, mas não deixei,  pois sabia que ser rompesse a bolsa não poderiam me liberar. Eu já sentia os pródromos havia algumas semanas, mas nada de engrenar. Naquele dia nem sinal de contração significativa. Fazia uma semana que tinha sentido minha filha querendo encaixar.

Durante o cardiotoco, chegou uma moça apavorada com 35 semanas, primigesta, bolsa rota. Estava nitidamente apavorada e a equipe não soube acolher. Inevitável reviver o que passei com uma história semelhante diante de mim e no mesmo local. Falei mentalmente com minha filha "Está sentindo essa tensão que estou agora? Não queremos isso pra gente, né?"

Saindo de lá fui buscar meu filho na escola, cheguei em casa e tomei um shake com óleo de rícino. Dica das parteiras pra ver se engrenava. Era umas 18h. Nada aconteceu.

Às 23h40 fui amamentar meu filho e comecei a sentir cólica, como já vinha acontecendo. Só que veio mais forte, então interrompi a mamada. As contrações começaram a vir ritmadas e resolvi cronometrar com um aplicativo. 4'40" de intervalo e 1'30" a 2' de duração. Eram muito fortes. Fui pro chuveiro sozinha. Não era intestinal, dava para saber. Liguei pra equipe, mal consegui entender o que uma delas me disse. Só entendi que ia alguém me avaliar. Eu estava com medo de ser alarme falso, mas as dores beiravam o insuportável. Por um instante, achei que fosse parir sozinha no banheiro.
Chamei meu marido, fiquei no chuveiro até a obstetriz chegar.Ela chegou foi esperando meu tempo até que eu conseguisse deitar pra fazer o toque.

Acho que fazia 1h30 do início das contrações. Ela perguntou "quer saber quanto?". Na minha afirmativa ele disse "nove". Nem sei dizer o tamanho da alegria que coube em um "nove".

Disse que se eu quisesse a banheira era melhor encher senão não daria tempo. Eu só conseguia ficar em pé. Mas queria o conforto da água quente. Então fiquei em quatro apoios na banheira e assim permaneci recebendo água quente, massagem na lombar e aquela pressão maravilhosa que a obstetriz fazia e aliviava a dor das contrações. Meu marido na minha frente apoiando meus empurrões de cabeça. Meu filho dormindo no colchão ao lado nem se abalava com meus gritos. Sim, gritei, gemi, urrei, vocalizei cantando uma canção que inventei na hora e me acalmava. Nem tive tempo de colocar minha trilha sonora. Nem a banheira encheu. 2h50min após o início das contrações minha filha nasceu e eu renasci.

Ela ficou um pouco presa pelos ombros na hora de sair, nasceu molinha e demorou pra respirar direitinho, mas veio pro meu colo, onde prestaram atendimento até ela respirar bem. Senti o cordão pulsar e parar de pulsar e só então foi cortado. Tive laceração grau 2 (pequena deste jeito, não sei se passaria ilesa aos 4,110kg...rs). Optamos por não suturar. A recuperação foi bem melhor.

Meu filho acordou chorando no meio do expulsivo. Eu pensei que meus gritos o tinham assustado. Mas não. Foi meu marido que o acordou pra conhecer a irmã. Ele chorava de sono.

Ela não quis mamar imediatamente, mas mamou na primeira hora, assim como meu filho.Este a viu mamando e quis mamar também.

Primeiro dia da Aurora fora da barriga


Hoje ela está com 4 meses, ele com 3 anos e 1 mês e seguimos amamentando em tandem.

Eu defino o parto da minha filha em uma única palavra: intenso.

Os nomes dos meus filhos foram escolhidos durante a gestação, mas pensando agora tem tudo a ver com o modo como nasceram. Leonardo Henrique, "forte como um leão" e "senhor do lar" ou "aquele que defende o lar com a força de um leão",  e Aurora, "nascer de um novo dia".

Relembrar momentos bons me faz feliz.

#100happydays #abrindoocasulo #Auroradaminhavida #riquezadaminhavida #nascendoemcasa

4 comentários:

  1. <3 Obrigada, Tati. Acredito que, embora vivenciemos histórias diferentes no parto, tem algo que conecta a todos nós que passamos por esta experiência de maternar/ paternar.

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  2. <3 Obrigada, Tati. Acredito que, embora vivenciemos histórias diferentes no parto, tem algo que conecta a todos nós que passamos por esta experiência de maternar/ paternar.

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  3. <3 Obrigada, Tati. Acredito que, embora vivenciemos histórias diferentes no parto, tem algo que conecta a todos nós que passamos por esta experiência de maternar/ paternar.

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